É tudo uma questão de valor, e isso
é algo bastante subjetivo.
Entenda.
Qual foi a melhor compra da sua
vida? Já parou para pensar nisso? A resposta pode não estar na simples relação
custo-benefício que deveria guiar o consumo, mas no valor que você dá para o
produto ou serviço em questão e também nas experiências que você já viveu com
ele. No fim das contas, comprar algo caro, mas que seja algo que você acredita
ser de qualidade e que provavelmente você usará por muito tempo pode ser a
melhor escolha financeira para o seu bolso.
Nas reportagens de Livre Iniciativa
sobre finanças pessoais costumamos falar muito de planejamento financeiro,
de pensar de olho no futuro, inclusive na aposentadoria, de uma forma bastante
racional. Mas a verdade, pura e simples, é que ninguém faz escolhas de forma
racional assim.
No meu caso, minha última melhor
compra (sempre haverá outras) foi a minha mochila. Tudo bem que, na prática, eu
ganhei ela de presente do meu marido e da minha sogra, mas participei da
escolha e hoje, cinco meses depois, ainda estou no que alguns economistas
comportamentais e consultores de marketing chamam de “lua de mel com
produto”.
Ela custou muito mais que outras
mochilas que já tive na vida – R$ 500 –, mas tem o tamanho certo para carregar
tudo de que preciso , não sofre com o tempo chuvoso de Curitiba e tem sido uma
boa companheira nessa maratona que é fazer mestrado e trabalhar ao mesmo
tempo.
O que faz dela uma boa compra? Bom,
ela é bonita (sim, beleza sempre fará parte de algo que você valoriza),
resistente, cheia de bolsinhos e porta-trecos que facilitam a minha vida e foi
elogiada por alguns colegas de mestrado. Análise boba essa? Não.
Flávia Ávila, fundadora do
InBehaviour Lab e coordenadora do MBA em Economia Comportamental da ESPM,
explica que o valor das coisas é subjetivo mesmo e sempre parte de
referências.
“Nossas decisões sobre o valor das
coisas parte de um ponto de referência, não exatamente do preço daquela coisa.
E se o bem material em questão também gerou boas experiências ele tende a ficar
gravado na nossa lembrança como algo que deu muito certo (...) Se você se
convencer, então, de que a sua escolha foi melhor que a de outras pessoas que
compraram coisas semelhantes [caso dos elogios recebidos por esta repórter em
relação a sua mochila], aí a pessoa ficará convencida de que fez algo muito
certo”, explica Flávia.
O “eu da experiência” e
o “eu da lembrança”
Daniel Kanheman, teórico que
combina a economia com a ciência cognitiva e é considerado o pai da economia
comportamental, relaciona diretamente as experiências que vivemos com a busca
da felicidade, levando em conta toda a complexidade que essa palavra traz
consigo.
Basicamente, ele explica que há
dois “eus” em cada um de nós. O “eu da experiência”, que vivencia as situações,
está no presente e é capaz de se relacionar do passado mas de maneira quase
automática – ou, como diz Kanheman, é aquele responde o médico quando ele
pergunta onde dói.
E há o “eu da lembrança”, que é
aquele que registra as experiências e tenta manter o curso da vida, mas que
demora um tantinho mais para responder o médico quando ele pergunta “como você
anda se sentindo ultimamente?”
Em outras palavras, Kanheman fala
de como a experiência e a memória se relacionam na medida em que a qualidade
subjetiva que damos ao primeiro aspecto determinará se a situação ficará
marcada ou não no segundo. Quando o assunto é consumo, isto está relacionado ao
objeto consumido.
Se com ele a pessoa viveu boas
experiências, qualquer preço pago pelo produto terá valido a pena. “E
normalmente quando o produto é mais caro que os similares, a tendência natural
é a de darmos mais valor a ele, aumentando as nossas expectativas em relação ao
produto. Se, no fim das contas, o produto corresponder a essas expectativas, aí
saberemos que deu [a compra] deu certo”, ressalta Flávia.
Se o consumo é uma parte importante
da sua vida – e, convenhamos, é uma parte importante da vida de todos nós nesse
mundo contemporâneo –, então fazer a melhor compra possível, ainda que cara,
pode te fazer mais feliz.
Para a planejadora financeira e
diretora da Planejar, Marcia Dessen, essa consciência financeira depende muito
do perfil de consumo de cada um. “Tem gente que curte o ato de comprar, não
importa o que esteja comprando (...) Para algumas pessoas, a consciência de que
‘menos é mais’ vem com o tempo, quando cai uma ficha enorme e a gente se dá
conta de que não precisa de tanta coisa para viver, para ter conforto, para ser
feliz.”
Consumo por felicidade também pode
ser consumo consciente.
Essa reflexão também pode levar a
um consumo mais consciente. “Gosto de uma frase do Helio Mattar, [um dos
fundadores] do Instituto Akatu, local onde já trabalhei, que reflete isso:
‘comprar alguma coisa de que você não precisa por 50% de desconto é caro
demais’.”
Em outras palavras, embora os especialistas
sempre batam na tecla da racionalidade, do melhor custo-benefício, se você
fizer suas escolhas de consumo também com a intenção de alimentar o seu “eu da
lembrança” pode ser que esteja fazendo a melhor escolha para o seu bolso e
comprando apenas aquilo de que [acha que] precisa.