Jovens enfrentam
cenário bastante desfavorável pela primeira vez; gastos básicos chegam a
responder por 80% dos ganhos.
O cenário de crédito
escasso, inflação alta e reajustes significativos em tarifas públicas –
como água e energia elétrica – vem mudando o estilo de vida da classe C.
Acostumada a consumir em condições opostas às citadas, o que os fez subirem de
patamar principalmente no período entre 2008 e 2010, a nova classe média agora
se vê obrigada a pisar forte no freio.
Os dados que mostram uma
economia débil fazem desta crise a mais grave desde que a classe C
(famílias com renda familiar de até R$ 2,9 mil) passou a ser reconhecida. Por
conta disso, a adaptação às reduções nos custos vem sendo mais penosa para os
mais jovens, que começaram a ter de arcar com as despesas mais
recentemente.
“Quem viveu a crise em 2008
já tem um histórico que possibilita aprender a se virar com mais facilidade.
Hoje, quem está sentindo a crise com uma força muito maior são os jovens, mas
eles também já estão aprendendo a lidar com a redução de custos e buscando
fontes alternativas de renda”, explica o presidente do Data Popular, Renato
Meirelles.
Um exemplo da mudança de
hábito é Júlia Mariano, de 27 anos. Moradora de Paraisópolis, zona sul de
São Paulo, ela é cabelereira, mora com a única filha pequena e toca com o irmão
um pequeno salão de beleza ao lado de casa. No entanto, sentindo os efeitos
principalmente dos reajustes nas contas de água e energia elétrica, ela deixou
a exclusividade do seu empreendimento e passou a fazer serviços avulsos para
complementar a renda. “Só o salão não dá. Às vezes, quando aparece durante a
semana, eu faço bicos de diarista”, contou.
Para Júlia, os reflexos da queda de 5% na
massa de rendimento real do trabalhador nos últimos 12 meses vieram na forma
das contas de água, luz e de supermercado. Com os seguidos reajustes nas
tarifas, algumas contas chegaram a dobrar de valor. Como resultado, atualmente
cerca de 80% de sua renda mensal é destinada para pagar despesas básicas,
incluindo alimentação, e gastos pontuais com roupas. “Antigamente eu ia ao
mercado com R$ 60 e comprava muita coisa. Hoje em dia, eu vou com R$ 200 e
ainda falta”, diz. Além do aumento das despesas, Júlia passou a ter
dois novos hábitos: muita pesquisa e mais pechincha.
O encolhimento do poder de
compra da nova classe média e a maior consciência do consumidor refletem
no resultado do comércio, que já fecha o quarto mês consecutivo em queda e
apresenta retração de 4,5% na comparação de maio deste ano com o mesmo mês do
ano passado, segundo o IBGE.
O segmento que puxou a
nova baixa foi justamente a dos principais bens consumidos em exaustão pela
chamada nova classe média no histórico recente. A última Pesquisa Mensal do
Comércio (PMC) mostrou uma queda recorde (-18,5%) para o mês na compra de
móveis e eletrodomésticos. Até então, o pior fluxo de vendas da série histórica
tinha sido em 2003 (-10,7%).
“A diminuição da renda e do
crédito foram os principais fatores da queda, que tem um histórico positivo de
vendas no período”, explica a gerente de Serviços e Comércio do IBGE, Juliana
Vasconcellos. O feriado do Dia das Mães, lembra, não foi suficiente
para garantir crescimento do setor.
Além disso, a pesquisa mostrou retração de
2,1% no volume de vendas do segmento de supermercados e produtos alimentícios.
“Esse [segmento] é outro que serve como exemplo do forte
impacto no poder de compra das famílias de menor renda”, diz a
especialista.
Força de consumo que faz falta
Para pessoas como Júlia,
idas ao shopping e ao supermercado ficaram mais criteriosas em função da
pesquisa de preços, mas também são agora uma prática mais rara. Segundo estudo
divulgado no início do mês pela Kantar Worldpanel Brazil, a classe C está indo
duas vezes menos ao chamado "ponto de venda" (PDV) e reduziu o volume
de consumo em 10% na comparação entre os primeiros trimestres deste ano e de
2014. Representando mais da metade da população brasileira, ela é a principal
força responsável pela desaceleração do consumo. “Um impacto menor na Classe C,
em comparação com outras classes, é mais representativo para a economia”,
explica a diretora de contas do grupo, Aurélia Vicente.
Vão menos às compras, pechincham cada vez
mais. No entanto, estão gastando um pouco mais – 1% ainda de acordo com o
estudo. “O aumento nos gastos se deve exclusivamente pela alta de preços, que
impacta mesmo com a redução no volume de compras e na frequência de ida [ao PDV]”, completa a
especialista.
Fonte: Brasil Econômico
http://economia.ig.com.br/2015-07-24/inflacao-e-reajustes-de-tarifas